segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Brahms por Zinman: Apetece? Sim, mas...

O livro/triplo CD das Sinfonias de Brahms pela Tonhalle de Zurique, dirigida por David Zinman, é um objecto de desejo.




Encadernação e papel requintados, cores e ilustração conseguidas, bastante texto histórico, o encantamento começa logo no manusear do objecto...

Mas será só embrulho?

Depois das fulminantes 9 de Beethoven, que foram uma revelação de energia e detalhe, com novidades nas linhas melódicas e nos contrastes dinâmicos, respeitando de perto as indicações do compositor sem fazer disso uma obsessão, eu aguardava com expectativa estas 4 de Brahms.

E fiquei como se diz do copo: meio cheio, meio vazio, conforme.

Limpidez e pureza da forma, sim. Impacto e dinâmicas, nem por isso. Novidades, muito pouco.

A 2ª de Brahms é para mim uma das grandes sinfonias de sempre, emparceirada lá no alto com as sublimes de Mahler e Beethoven. O primeiro andamento é das coisas mais inebriantes de génio e vertiginosas de criatividade que já se escreveram em música. O segundo, um dos mais belos adagios da história da música. Na interpretação de Zinman, está lá tudo em dose mediana, mutíssimo bonito, vienense - sem verdadeira paixão, mas muito competente e refinado, uma orquestra de bela sonoridade e perfeita articulação, que respira cada nota, resultando numa audição "feliz" mas sem entusiasmos... onde está a vibrante "loucura" que se esperava de Zinman ? Por vezes até espanta a lentidão, inesperada... a contenção parece ter vencido, faltou a "faísca". Já no último andamento, Zinman mostra um pouco do que poderia ter sido esta integral: esfuziante e de impressionante controle dinâmico, o Allegro tem mesmo spirito! Um Brahms fenomenal, sim, finalmente.

Idem com a 4ª. A gravação tem um som bem melhor que a 4ª dirigida por Kleiber, está "impecável", mas que diferença! Kleiber faz-me saltar na cadeira...

Ficamos com um Brahms quase convencional, sem vícios maneiristas ou excessos absurdos, tocado sem mácula por uma requintada orquestra europeia. Muito bem, muito bonito. Mas podia haver mais.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Outros mundos: uma igreja na Antártida

De quando em quando, gosto de fazer posts assim, sobre as fascinantes terras das últimas fronteiras, dos últimos mares - ártico e antártico.


Estação Bellinghausen, 800 Km a norte do círculo polar antártico.

Bellinghausen ( 62º 12' S, 58º 56' W ) é uma base científica russa na Antártida, construída em 1968 numa península quase sempre isenta de gelo da ilha do Rei Jorge, a King George Island, e banhada pelas águas da tenebrosa passagem de Drake. Normalmente é habitada por 25 cientistas mas pode acomodar um máximo de 50.


A King George Island , com cerca de 600 residentes, é provavelmente a zona mais populosa da Antártida. Bases científicas do Chile, Argentina, Uruguai, China, Alemanha... e Rússia partilham a pequena península de Fildes, escolhida devido às condições naturais favoráveis - zonas de terreno seco, bons acessos por mar, lagoas de água potável, enseadas naturais e clima apesar de tudo relativamente suave para a latitude; as temperaturas variam entre -6.8°С e +1.1°С , o clima é marítimo e só de longe a longe há verdadeiras tempestades de gelo. Também é o único local na ilha com uma pista para aterragem de aviões.



A Igreja Ortodoxa da Trindade


Talvez a mais notável e visitada atracção de Bellinghausen seja a Igreja da Trindade - uma pequena igreja ortodoxa russa que é o templo digno desse nome mais a Sul em todo o planeta (há uma capela de gelo, tipo igloo, mais a sul, que raramente é utilisada, há capelas-contentores...) - e é a única igreja da Antártida em funcionamento permanente.

Abriu em 2004 - veio por mar desde a Sibéria, em peças separadas e numeradas como um Lego - e foi montada in loco, no alto de uma elevação de 30 metros vizinha da base Bellinghausen. É o primeiro sinal humano que se avista do mar, sinalizando a base aos navios que vêm de visita, em estudo ou em serviço de reabastecimento.

O interior foi particularmente bem conseguido e decorado, criando o ambiente mais acolhedor que se pode encontrar naquele continente, e está sempre aberta a quem a demande...



Financiada pelos donativos para a campanha "Um Templo para a Antártida", e após um concurso nacional ganho por arquitectos da Sibéria, foi construída em 2003, nas montanhas do Altai, em madeira de cedro do Altai (considerada nobre) e de Lariço (muito resistente) , no estilo tradicional de igrejas ortodoxas em madeira.

Os toros foram selados com cola especial e a estrutura reforçada com cadeias de aço, para resisitir às violentas tempestades e ventanias de rajadas horizontais.

A estrutura de toros reforçada com cadeias de aço

Depois de construída, foi desmontada e transportada em peças até ao porto de Kaliningrad em quatro grandes camiões; de lá veio por mar no navio oceanográfico "Akademik Sergey Vavilov" , chegando ao fim de dois meses de viagem a Bellinghausen.

O Akademik Sergey Vavilov ao chegar a Bellinghausen

Durante 50 anos de exploração científica, 64 cidadãos russos encontraram a paz eterna nas vertentes rochosas da Antártida. Agora já há um local digno para lhes prestar homenagem.


E em 2007, teve lugar o primeiro e único - até agora - casamento na Antártida - a filha de um explorador polar russo casou com um explorador polar Chileno da estação vizinha...

Lentamente, as populações temporárias da Antártida estabelecem estilos de vida permanentes; e já vão surgindo hospitais, ginásios, restaurantes, lojas, e escolas - pois até já há 9 crianças Antártidas de nascimento ! Um futuro em aberto.


© Normalmente, eu era capaz de meditar sobre o assunto com amargura, no sentido em que é "triste" que o homem até para o novo continente que está a colonizar no séc. XXI tenha de levar os seus retrógrados preconceitos e práticas religiosas. Reconheço contudo que, naquele isolamento, rodeado de território pouco hospitaleiro, a reunião de várias comunidades debaixo de um tecto caloroso e acolhedor tenha outro significado mais afectivo e universal

Fotos: flickr, picasa, pbase, panoramio

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Nulla in mundo: mensagem e música eternas

Música outonal, numa Europa outonalmente triste e um mundo em avançado estado de senilidade de ideias e utopias.

Nulla in mundo pax sincera (~1715) é um motete sacro de Antonio Vivaldi.
Não há no mundo paz autêntica, na voz inesquecível de Emma Kirkby.


"Nulla in mundo pax sincera", RV630
Emma Kirkby (soprano)
Dir: Cristopher Hogwood
The Academy of Ancient Music


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O belíssimo currículo do Hubble

O melhor vídeo que já vi sobre as revelações do telescópio Hubble e o impacto que tiveram sobre o nosso conhecimento do Universo:



Ainda é das poucas coisas que me enchem de gosto pelo presente e pelo futuro, esta vertigem de ter acesso a imagens que revelam mistérios (passe o paradoxo) nunca dantes navegados.

E hoje é Vaugham Williams

Ralph Vaughan Williams nasceu a 12 de Outubro de 1872

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

1872

"Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesmo baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal"

Eça de Queirós, As Farpas, 1872.


Vá lá, digam que o Medina Carreira fala sozinho.

domingo, 16 de outubro de 2011

Os neutrinos que conquistaram a liberdade

Do artigo "La prison de lumiére" , de Jacques Attali, no L'Express de 28 de Setembro, com tradução e adaptação minhas:

Os homens não gostam de prisões nem de nada que seja um limite à sua vida. Não gostam de fronteiras, nem das restrições que a duração da existência lhes impõem, nem das restrições das leis físicas.Toda a aventura humana é feita de tentativas de evasão: viver cada vez mais longamente, conhecer por inteiro o planeta Terra, aprender a voar, explorar o universo.

Só que, faz um século, o homem encontrou uma prisão dita indestrutível: pela teoria da relatividade de 1905, nunca poderia ultrapassar a velocidade da luz no vazio. Por mais que se acelerem partículas de matéria, a sua velocidade, crescendo cada vez mais lentamente, nunca atingirá a da luz. Intolerável.

(...) ora, recentemente, neutrinos de muito alta energia percorreram 730km no subsolo, entre a fronteira franco-suíça e uma montanha perto de Roma, e foram 6 quilómetros por segundo mais rápidos que a luz. Ou seja, chegaram ao destino com 20 metros (é muito!) de avanço sobre a luz.

Incrédulos, os investigadores repetiram a experiência durante 3 anos, observando 15 000 neutrinos, levando em conta influências tão irrelevantes com a deriva dos continentes ! Sempre com o mesmo resultado.

(...) Dentro do quadro da relatividade, o fenómeno só é explicável se os neutrinos se tivessem evadido para outro universo, dotado de mais que as 4 dimensões do nosso, e aí tivessem encontrado um atalho (o famoso wormhole) que os trouxesse de volta ao nosso em menos tempo.

Essa seria a Grande Evasão, que a ser realizável poderá um dia trazer à humanidade um grau de liberdade no Universo maior do que alguma vez se sonhou. Ainda há days of miracle and wonder pela frente.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Valha-nos Verdi

Nasceu em 10 de outubro de 1813.

Amor e liberdade, os motti verdianos, che altro ?

Don Carlo, dueto Dio,che nell'alma infondere amor
Roberto Villazon, Dwayne Croft.
Royal Concertgebouw Orchestra, Ricardo Chailly.


Dio, che nellalma infondere
amor volesti e speme,
desio nel core accendere
tu déi di libertà,

Deus, que na alma instalar
amor quiseste, e esperança,
deves acender no coração
o desejo de liberdade.

sábado, 8 de outubro de 2011

Revisitações sinfónicas, por David Zinman e Ricardo Chailly

Quem como eu se extasia com a verve sinfónica de Brahms não pode deixar de ouvir a recente gravação de David Zinman com a orquestra da Tonhalle de Zurich. Sobretudo depois da sua espantosa integral das 9 de Beethoven, que continua imbatível em termos de novas abordagens musicológicas.

Pode ser, claro, que seja um Brahms deslavado e anémico; mas não é a isso que Zinman nos habituou.


E também:

Ricardo Chailly gravou as 9 de Beethoven com a mítica Gewandhous de Leipzig, a orquestra que eu mais gostaria de ouvir um dia ao vivo - mais que Viena, Berlim ou Chicago, uma filarmónica com aura. A execução brilhante de Chailly, algo italiana mas muito precisa e atenta ao detalhe, promete momentos empolgantes, talvez surpresas. Estreia muito aguardada em Paris (salle Pleyel), numa interculturidade germânica (a Gewandhous) - italiana (Chailly) - francesa (a Pleyel).

Ouçam só:
ah! as cordas! ah! os metais !!


q.e.d !

entrevista :

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Prémios Gramophone

Acabam de ser atribuídos os Gramophones de 2011. Saliento apenas aqueles que mais aprecio, que conheço e que quanto a mim merecem inteiramente ser premiados:

CDs e DVDs

CPE Bach - Harpsichord Concertos
Andreas Staier; Freiburg Baroque / Petra Müllejan
Harmonia Mundi HMC902083/84

Verdi - Don Carlo
Soloists; Chorus and Orchestra of the Royal Opera House, Covent Garden / Antonio Pappano
EMI Classics 6316099

Rossini - Ermione
Soloists; Geoffrey Matchell Choir; LPO / David Parry
Opera Rara ORC42

Verismo - Arias
Jonas Kaufmann;Chorus and Orchestra of the Santa Cecilia Academy, Rome / Antonio Pappano
Decca Classics 4782258

Rossini - Stabat Mater
Netrebko, DiDonato; Santa Cecilia Orchestra & Choir / Pappano
EMI 6405292

Prémio de carreira:
Lifetime Achievement
Dame Janet Baker, mezzo-soprano
Em alta estiveram Pappano, Kaufmann, Rossini e o verismo.
Consultar todos os prémios e comentários aqui

Janet Baker - Schubert, An die Musik

Janet Baker - Strauss, Morgen

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

luzes no céu do ártico

Não sei se terá a ver com a onda de calor tardio que prolongou o Verão, nem com o "fim do mundo" pressagiado para esse dia pelos seguidores do (extinto) cometa Elenin: o Sol voltou a fazer das suas.


Uma tempestade geomagnética solar violenta atingiu a Terra a 26 de Setembro passado, e deu origem a prolongadas e intensas auroras boreais , mesmo em latitudes abaixo do habitual para esses fenómenos.

Ao fundo, Júpiter e as Pleiades (clicar na foto)


Em Kvaløya, perto de Tromsø, na Noruega, foram observadas assim, com exposição de alguns segundos, mostrando colorido variado - lilás, verde , vermelho escuro...

Mais aqui e aqui.

fotos: Fredrik Broms, Tromsø

sábado, 1 de outubro de 2011

Dia da Música

Para comemorar, nada melhor que Haydn, como vem sendo meu costume...

Boas audições.

Piano Trio No.39 in G major Hob. XV/25 (1795)

Tatiana Samouil (Vl)
Justus Grimm (Vc)
Filipe Pinto-Ribeiro (Pn)