sábado, 3 de janeiro de 2015

2015, nada de novo sob a roda do Sol, suponho


Parece um título de ficção futurista, 'Dois Mil e Quinze'.


Nos anos 80, digamos, nunca me veio à ideia que um dia estaria a viver em 2015. Parece uma coisa tão longínqua, inverosímil, e contudo...

Que há de novo, entretanto? Sim, afinal, neste futuro de ficção inimaginável, que coisas fantásticas se vivem assim tão diferentes dos anos 80 ?

Há computadores e telemóveis;  e de resto ? modos de vida ?

Nada, ou quase nada. Ouve-se tantas vezes falar da mudança vertiginosa e acelerada que o tempo moderno introduziu na nossa vida, mas vai-se a ver, e em 40 anos não mudou quase nada.

Continua a haver povos civilizados e povos bárbaros; doenças curáveis e doenças incuráveis; gente obesa e gente com fome; cidades limpas e cidades sujas; escassa boa literatura e vasto lixo publicado; ditaduras e não-ditaduras (democracias ?) ; presos sem culpa e patifes livres; ricos e pobres, ladrões e falidos.

Nem sequer tivemos nenhuma aventura nova, que motivasse multidões - o cometa e a Philae duraram dois dias; nem nenhuma nova moda que mudasse hábitos em larga escala. Cartões em vez de notas: isso mudou estilos de vida ? Já havia as 'letras' de crédito.

Se mudança há, é suave e em aspectos de pequeno detalhe. Nas grandes coisas, a humanidade tem-se mostrado particularmente resistente à mudança. Pior que tudo, a violência, em variedade de formas, e a guerra, a pior delas, não mostram tendência de abrandamento.

Pouco espero deste 2015, e sobretudo não espero qualquer utopia. O mais certo é ser um ano igual aos outros. Já não é mau se for encontrada alguma nova vacina, alguma nova cura, ou algum progresso real nas fontes de energia. Bater recordes, só se for o de mínimo número de atentados, de baixas, de mutilações e de lapidações.

Citando Emil Cioran,

Tudo é possivel, e afinal nada é. Tudo é permitido, e mais uma vez, nada é. Seja por que caminho seguirmos, não é melhor do que qualquer outro. Não há nada que valha a pena, mais do que qualquer outra coisa. Todo o ganho é uma perda, toda a perda é um ganho.


Sê um floco de neve bailando no ar, uma flor flutuando na corrente pela encosta.

[adaptado]

6 comentários:

Virginia disse...


É realmente trágico que o mundo evolua tão pouco em campos que seriam essenciais para uma existência melhor.

Mas, engana-se, Mário, na Moda (!) criaram-se modelos verdadeiramente aberrantes, saltos de 15 cm e saias de 20cm. Mostrar o traseiro ( e o resto) é comum nos múltiplos programas pimbas de TV. Os implantes tb estão na moda, não há adolescente que não sonhe com uns.
Estou a ironizar, é claro, pois não vejo outros cenários tão revolucionários!!!

Bom 2015, malgré tout!

Anónimo disse...

A forma como as pessoas se relacionam e o papel da tecnologia, para mim, têm mudado demasiado depressa. As pessoas aborrecem-se cada vez mais depressa, não há foco, não há tempo livre útil. Acho que nunca a apatia esteve tão bem camuflada de estímulo. As mudanças têm sido abruptas, a meu ver. A maior mudança talvez tenha sido que se deixou de produzir. Se eu olhar para as consequências disso olhando para o produto, talvez pense que sim, o mundo mudou pouco. Mas olhando para os reagentes... o mundo mudou imenso.

Anónimo disse...

Esqueci-me da melhor parte: Um 2015 supimpa, Mário!

Mário R. Gonçalves disse...

Ana, obrigado :)

Bem, é vox populique a gente nova sente o tempo passar mais rápido...
Pouco produto ? ou demasiado produto-lixo ? "Toda a gente" produz, e em maior quantidade. E falando desde os anos 80, nem sequer acho grandes diferenças de processo. A parafrenália electrónica é só uma ferramenta, e na sua gritante novidade até é bastante enganadora. As pessoas aborrecem-se, sim, e mais depressa, precisamente por falta de novidade verdadeira. É só espuma.

Acho, IMHO, claro.

Anónimo disse...

Mário:
Gostei de "ver" esta sua "big picture", embora denote um certo,e porventura justificado, pessimismo em relação à humanidade.
A citação(ou são duas?) tem a nota "adaptado". Gostava de comparar com o original. Pode publicar? Obrigado.

Mário R. Gonçalves disse...

Emil Cioran, Pe culmile disperării, trad. inglesa "On the heights of despair", 1934

Everything is possible, and yet nothing is. All is permitted, and yet again, nothing. No matter which way we go, it is no better than any other. It is all the same whether you achieve something or not, have faith or not, just as it’s all the same whether you cry or remain silent. There is an explanation for everything, and yet there is none. Everything is both real and unreal, normal and absurd, splendid and insipid. There is nothing worth more than anything else, nor any idea better than any other. Why grow sad from one’s sadness and delight in one’s joy? What does it matter whether our tears come from pleasure or pain? Love your unhappiness and hate your happiness, mix everything up, scramble it all! Be a snowflake dancing in the air, a flower floating downstream! Have courage when you don’t need to, and be a coward when you must be brave! Who knows? You may still be a winner! And if you lose, does it really matter? Is there anything to win in this world? All gain is loss, all loss is gain. Why always expect a definite stance, clear ideas, meaningful words? I feel as if I should spout fire in response to all the questions which were ever put, or not put, to me.