domingo, 19 de junho de 2016

Brexit, Bremain ou simplesmente Brain



Há várias coisas assustadoras na saída do Reino Unido da União Europeia. A mais assustadora são os argumentos. Não há provavelmente país que recolha mais benefícios e mais tolerância pela sua diferença na pertença à UE. Praticamente imune ao euro e com contributo líquido para a União muito abaixo do seu sucesso económico, o Reino Unido arrisca tudo na saída e vai-se arrepender. A sua dependência de mercados como o americano e o chinês torná-lo-á bem mais fraco e indefeso. A Europa, a maior economia e a mais bem sucedida do mundo ainda hoje, garantia ao RU uma retaguarda sólida que tem sido certamente um dos factores do seu crescimento.

Os que hoje dizem que a Europa já não é o que foi, deixou de ser democrática e solidária para ser um feudo da Alemanha apoiada por uns poucos seus satélites, são basicamente os mesmos - recordo bem - que de início já eram violentamente contra a nossa integração num espaço capitalista-imperialista. Claro que a Europa já não é a mesma: cresceu desmesuradamente, caóticamente, e isso foi um erro, que não impede muitos dos seus críticos de favorecerem a entrada da Turquia. Ao crescer dessa maneira sem um modelo centralizado federal que anulasse as soberanias nacionais, tornou-se refém de uma impossível democracia "ponderada", onde cada país tem direito a uma quota parte de poder proporcional à sua dimensão. Isso não só beneficia a Alemanha como cria a tentação de países pequenos - os do Báltico, a Holanda e a Dinamarca, Portugal também - se esforçarem pelas boas graças da Alemanha, como que formando uma rede de satélites amigos do mais forte e seguro.

Mas quem sempre se opôs ferozmente ao modelo federal foi justamente o Reino Unido! O modelo que mais poderia contribuir para uma renovação e reforço da Europa no sentido de mais democracia foi arrasado sistematicamente pelos ingleses. Se saírem, deixam de se poder opor, o que até é bom.

O Reino Unido precisa da Europa mas detesta a Europa. Quer estar dentro e quer estar fora. Gosta mais dos Estados Unidos mas tem mais medo deles por ser mais fraco. Os ingleses odeiam a Alemanha e o seu poder na Europa por uma só razão: queriam ser eles a Alemanha da Europa, eles a mandar e a fazer o que lhes apetece aparecendo ao mundo como a parte mais forte do potentado económico que mais bem estar consegue para os seus cidadãos.

É o Reino Unido quem vai perder à grande com o Brexit, a médio prazo. Até a libra vai perder - por incrível que pareça, era o apoio em contraponto do euro que lhe dava força. Quanto à Europa, que é o que mais interessa, tem de aproveitar a oportunidade para se renovar pela via federal, agora que perdeu um forte oponente. Tem de recusar os profetas da desgraça e os anunciantes da sua morte breve, sempre os mesmos, e avançar mais - sem novas adesões ! - para um Estado Federal que restrinja as soberanias locais a uma espécie de autarquias, ou autonomias, como em Espanha. Tem de passar a ter um Parlamento com eleições para deputados e para Governo.

Gosto muito de Inglaterra, da Escócia e do País de Gales, e pessoalmente não mudarei a simpatia e a admiração. O acesso talvez se torne mais difícil, é tudo. Preferia que a História tivesse sido outra, mas se agora os eleitores votarem 'Remain', que tristeza. Fica tudo na mesma (até ao próximo referendo) ? Não: o país perde protagonismo na Europa, fica enfraquecido com a Alemanha a rir-se, e a Europa não se mexe.

Prefiro o Brexit, mas com um brainstorm na Europa.


5 comentários:

Virginia disse...


A análise é politicamente certa. Mas não consigo ver o panorama sem subjectividade. Só quem passou pelo que a minha filha e eu, por tabela, passámos, é que pode analisar esta situação dum modo frio. Pode ser bom para a UE a ausência do RU - não me parece - mas para os jovens, os que ambicionam um pouco mais na vida, os desempregados e muitos, muitos imigrantes que já lá estão há muito, vai ser catastrófico.
Se a UE não e uma confederação é porque os Estados assim o decidiram, não era o RU que ia obstar a esse processo. Pessoalmente, ficaria muito triste se o Brexit vencesse. A minha filha vai acabar o mestrado este ano e como estudante goza de todos os privilégios. Até quando??

Mário R. Gonçalves disse...

Virgínia, não é minha intenção ser politicamente correcto nem frio, pelo contrário, sou bastante subjectivo até. A Virgínia reage mais emocionalmente por razões pessoais, compreendo, mas também não faria mal mais neutralidade.

Pode ser bom para ambos até - UE e RU - pois quando a UE estiver mais estável e atractiva o Reino Unido pode voltar - aceitando, claro, uma integração completa e não a farsa actual.

Agora dão empate técnico, 46-44 ou mesmo 45-45. Que fazer com um empate ? É o pior possível.

Fanático_Um disse...

Apesar de todos os argumentos, continuo convicto que o Brexit será muito mau, sobretudo para os muitos milhares de jovens portugueses qualificados que, no Reino Unido, encontraram aquilo que não conseguem no seu País - respeito profissional, dignidade e a oportunidade de viverem autonomamente com base nos seus salários, como sempre aconteceu em Portugal até à geração dos nossos filhos. Também tenho descendência emigrada, mas não no Reino Unido. Estarei lá no dia imediato ao referendo, o que não deixará de ser uma experiência interessante, mas espero que permaneçam na Europa. O verdadeiramente mau são os políticos actuais (incluindo os britânicos), todos de qualidade e "visão" muito inferiores aos da geração anterior que criou a União Europeia.
Mesmo com todas as vicissitudes actuais, a situação é incomparavelmente melhor que a Europa de antigamente, que bem conheci. Nessa altura, o escudo não valia nada face às diferentes moedas europeias e nós, portugueses, éramos olhados como os empregados indiferenciados que, a troco de pouco dinheiro (para eles, muito para nós) fazíamos aquilo que os locais não queriam.
Actualmente a realidade é muito distinta. Poderá ainda haver casos desses nos dias que correm, mas a maioria dos jovens portugueses que vão para a Europa porque cá não conseguem sobreviver com dignidade, são pessoas muito qualificadas que nesses Países encontram aquilo que, independentemente do mérito e da disponibilidade para trabalhar, cá não conseguem. E o Reino Unido é um desses Países que está no topo das escolhas dos nossos jovens porque é um dos que melhor os recebem e tratam. Desculpe este desabafo, o assunto daria para muita conversa, mas senti-me na necessidade de escrever este comentário ,sobretudo depois de ler o que a Virginia opinou.

Mário R. Gonçalves disse...

Fanático_um, certamente o Reino Unido recebe e trata bem estudantes europeus, e assim continuará. Não precisa de estar na UE, como não está a Suíça, um dos países que melhor trata quem a escolhe, ou o Canadá.

Parece-me que a questão é bem mais abrangente do que o interesse particular dos jovens portugueses. Tentei ser neutro na minha perspectiva, e embora pense que o UK é Europa, profunda e legitimamente, também me parece que de momento serão mais promissoras as vantagens da saída, para quem sai e para quem fica. Os privilégios actuais do UK e a continuada antipatia pela UE são imorais. Continuar seria matar a UE de morte lenta.

Virginia disse...

https://youtu.be/37iHSwA1SwE

Não posso deixar de relembrar esta cena de Yes Minister sobre a adesão à CEE. Hilariante e tão, tão lúcida!!

Bom S. João, Mário!