segunda-feira, 31 de julho de 2017

A Inacção dos Sapatos, por Ron Padgett


Verão, Silly Season, poesia silly.
Mas silly no bom sentido: ligeira, saudavelmente amalucada. Neste caso, a fazer-me reviver 'coisas' que já senti. Aquela pulsão para intervir, ser activo, não parar o tempo todo sempre a querer agir, desagua ao fim do dia, sei-o agora bem, no cansaço de nada se ter feito que afinal valesse o esforço.


Ron Padgett, The inaction of Shoes

There are many things to be done today
and it's a lovely day to do them in

Each thing a joy to do
and a joy to have done

I can tell because of the calm I feel
when I think about doing them

I can almost hear them say to me
Thank you for doing us

And when evening comes
I'll remove my shoes and place them on the floor

And think how good they look
sitting?... standing?... there

Not doing anything.



Traduzo, porque não -

          A inacção dos sapatos

          Tenho  muitas coisas para fazer hoje
          E está um dia lindo para as fazer

          Fazer cada coisa é uma alegria
          E é uma alegria tê-la feito

          Digo isto pela calma que sinto
          Quando me lembro de as fazer

          Posso quase ouvi-las dizer
          Gratas por nos ter feito

          E quando a tarde chega ao fim
          Tiro os sapatos e deixo-os no chão

          E penso que bom aspecto eles têm
          Sentados ?... Deitados ?... ali

          Sem fazer nada.



sexta-feira, 28 de julho de 2017

Retratos de Cézanne no Orsay


Para quem puder andar aos saltinhos de avião, este ano há duas grandes exposições de Cézanne: uma no Musée d'Orsay, em Paris, e outra em Martigny, Suíça, na Fundação Gianadda.

Não vou poder vê-las, por isso apeteceu-me uma visita virtual aos Retratos, alguns pouco conhecidos, expostos no Orsay.

Gosto muito das naturezas mortas de Cézanne, os retratos entranham-se mais lentamente. É pela cor que Cézanne transmite o carácter do retratado. As pinceladas são de génio, conseguir dar cor e vida com traços tão grossos (como Van Gogh) é estranho e espantoso. Os azuis então são divinos.

Louis-Auguste Cézanne, pai, lendo l'Evénnement, ~1866


Portrait du fils de l'artiste, 1882

Portrait de Madame Cézanne, 1888

Le garçon au gilet rouge, 1890

Portrait de Joachim Gasquet, 1896


Cézanne não queria nos retratos dar uma imagem fiel, favorável, nobre ou formosa, da pessoa que pintava; os traços rudes e as cores intensas procuram desvendar uma dimensão mais psicológica vista pela intuição do pintor.

Paysan en blouse bleue, 1897

Le joueur de cartes, étude, ~1892

Les Joueurs de cartes, 1895.

Portrait de l'artiste au Béret, 1898 - a depuração e a tranquilidade dos últimos anos.


Quanto às paisagens da fundação Gianadda, deixo só uma, talvez venha a dedicar-lhe aqui outra publicação.

La Montagne Sainte-Victoire vue du pont de Bayeux à Meyreuil, 1887

Cézanne teve duas obsessões em vida: Zola, amigo de infância que o salvou de outra sorte com o apoio desvelado à sua carreira de pintor, e mais tarde, por mau feitio, quase o destruiu ao querer convertê-lo a escritor e tê-lo descrito como pintor falhado (*); e a montanha Sainte-Victoire, perto de Aix-en-Provence, que pintou a todas as horas possíveis, a todas as luzes e de todos os ângulos. "Elle s'évapore, se fluidise. Elle participe toute bleutée à la respiration ambiante de l'air".


Mais: Figaro hors-série - Cézanne, Junho 2017

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(*) Em L'Ouevre, romance do falhado Zola que Cézanne, magoado, devolveu antes de cortar relações.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Árvores ? Floresta? Escolham ! e torçam para que vingue...


Quem vai estrada fora por esse país sabe muito bem que pinheiros bravos e eucaliptos são uma praga, uma floresta feia e paupérrima prontinha para a fogueira. Não tenho nada contra UM eucalipto, poderá ser até belo, aromático e tudo; um PEQUENO pinhal, na orla junto à praia, pode ser magnífico, como são muitos na Galiza.

Pinhal de praia, El Grove, Galiza

Mas floresta mista de pinheiro e eucalipto no interior - essa, devia estar banida na Constituição.

Acontece que de árvores há grande variedade, mesmo em território nacional. Já para não falar de árvores de frutos de pequeno porte - figueiras, mui lindas; cerejeiras, amendoeiras, oliveiras, nogueiras, todas elas dão belas plantações... - aqui vai uma lista breve de árvores que fazem magníficas florestas e bosques, de preferência mistos:

carvalhos
castanheiros
pinheiros mansos
azinheiras
alfarrobeiras
sobreiros
faias
bétulas
choupos
plátanos
amieiros
abetos e ciprestes

- mais as árvores isoladas de grande porte: freixos, ulmeiros, tulipeiros e tílias
- e ainda as decorativas: magnólias, teixos, jacarandás, rododendros...

Vamos aos bosques:

Bosque de Carvalhos
O maior e mais preservado é na Mata de Albergaria, Gerês.

Bosque de Bétulas (Vidoeiros)
O mais lindo fica também no Gerês, na Mata de Albergaria

Bosque de Faias
Ordesa, Navarra, tem a mais belas matas de faia e bétula da península.

Bosque de Amieiros
Tal como os plátanos, os amieiros gostam da beira-rio: aqui, o rio Côa.

Bosque de Sobreiros
Montado de sobreiros. O sobreiro é a única árvore devidamente protegida e amplamente plantada no nosso país, graças à rentabilidade da cortiça.



Bosque de Plátanos
Avenida dos Plátanos, Ponte de Lima

Bosque de Castanheiros
Nas Médulas (Galiza interior), esta floresta magnífica deve-se aos Romanos, que trouxeram o castanheiro para alimentação dos mineiros das minas de ouro.

Souto em Vinhais.

Bosque de Freixos
O grande freixo mítico aparece quase semopre isolado, mas seria possível plantar bosques (mistos). A madeira tem muito valor.

Regiões florestais da Península


Na zona atlântica (verde-amarela-lilás), a floresta é do tipo eurosiberiano. Caracteriza-se pelo clima húmido, sob influência oceânica, com inverno temperado e uma estação seca pouco acentuada. A sua principal área estende-se pelo norte de Portugal, a maior parte da Galiza, Astúrias, Cantábria, País Basco, noroeste de Navarra, e Pirenéus Ocidentais.

"A vegetação está representada por florestas decíduas de carvalhos-brancos (Quercus petraea) e carvalhos-vermelhos (Quercus robur), com freixos (Fraxinus excelsior) e castanheiros. O solo montanhoso caracteriza-se pela presença da faia (Fagus sp.), bétula e, mais raramente, por abetos (Abies alba). Estas faias e abetos ocupam as ladeiras frescas e com solo profundo das elevações de pouca altitude."

Nesta zona atlântica norte, não há razão para grandes incêndios. Os terrenos e o ar são húmidos e as espécies resistentes, desde que os bosques sejam bem geridos. O problema mais difícil é nas zonas laranja e azul, com a presença abundante dos pinheiros, solos secos e altas temperaturas. O mapa - onde se ignora a presença de eucaliptos ! - mostra como Portugal é vulnerável, sobretudo ao centro, junto com a Estremadura espanhola e partes da Andaluzia.

Infelizmente há outros factores que podem dar cabo da floresta: as pragas, as doenças das árvores, como tem acontecido com pinheiros, palmeiras, castanheiros (as vespas). A floresta é uma longa construção em que a natureza coloca tudo o que pode, incluindo factores conflituosos e destrutivos. Nenhuma floresta está ganha para sempre.

Não me faz falta diversidade de fauna; mas diversidade no reino vegetal sim, é a que mais me preocupa, é a mais vital para a saúde quer local, quer planetária. Que falta fazem animais em Marte ? Fazem falta, sim florestas e prados!



sexta-feira, 21 de julho de 2017

Atanas Matsoureff, pintor búlgaro contemporâneo


Estou grato ao blog bensozia por me ter revelado a obra deste aguarelista nascido em Bansko, Bulgária, em 1975. É uma vila de montanha, uma estância de neve muito frequentada para desportos de Inverno no sudoeste do país, junto ao Parque Pirin.

A Bulgária continua para mim (para nós, aqui no extremo ocidental) um sitio mal conhecido, tido como pobre, rural e atrasado por anos de ditadura repressiva sob 'protecção' do Pacto de Varsóvia e sob as doutrinas do homem novo soviético e do cristianismo Ortodoxo. Certamente as coisas mudaram para melhor, mas o desconhecimento é mais que muito.


Acontece que Atanas Matsoureff já pertence a outros tempos - é do pós-25-de-Abril cá, e do pós-queda-do-muro lá. E numa coisa tem lições a dar: pinta e desenha magistralmente, e desenvolveu uma técnica e estilo de aguarela muito pessoal. Vive e expõe sobretudo em Sófia.

Já sei: é convencional, de estrutura, de traço e de colorido "académicos", um realista primário. Chega sempre uma altura em que estou farto de desafios, desconstruções e perspectivas multi-qualquer-coisa. Esta arte não questiona nem provoca - repousa e conforta.

Agosto, 2013

Vermelho Primavera, 2011




Gosto das naturezas mortas de Matsoureff, em particular com vestuário e utensílios, deixando a imaginação fantasiar histórias sugeridas pela figuração visível.

A Porta, 2013


Sótão, 2002

Ao final do dia, 2014


E já que estamos na Bulgária com Atanas, deixo um poema (*) do poeta Atanas Daltchev (1904-1978).

Um espelho

Ao longo de muitos anos tens esperado
Mas o milagre surge a cada hora.
Vê o homem das mudanças. Passa
com um pesado espelho !
Ao caminhar, as ruas, as casas
e as sebes dos jardins são ampliadas,
pessoas surgem do seu fundo cintilante.
Carros voam em fúria como pássaros fugindo da gaiola,
praças urbanas oscilam
e as árvores,
telhados e varandas desabam,
os céus azuis faíscam.
Não te admires ao notar que o homem
se dobra e dá cada passo lentamente.
Ele transporta nas suas humanas mãos
Um prodigioso, um inteiramente novo Mundo.


Assim é a arte: um espelho, um prodigioso novo mundo.

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(*) [tradução minha, combinando a versão francesa e inglesa, portanto...]



terça-feira, 18 de julho de 2017

Outro filme, outro poema: Stevie Smith citada no filme 'Radiator'.


Radi was a circus lion 
Radi was a woman hater 
Radi had a lady tamer 
Radiator   (*)


Para além desta anedota em verso, 'Radiator' é um belo filme sobre a ajuda dos adultos de meia idade aos seus pais envelhecidos e em decadência física e mental, e como isso perturba e afecta quem ainda tem meia vida pela frente.

Gemma Jones, comovente em 'Maria'.

Muito contido e narrado sem artifícios, de forma linear, contando com dois actores 'velhinhos' excepcionais, o filme realizado em 2014 por Tom Browne passa-se em Cumbria, no norte de Inglaterra, à volta da cidade de Carlisle, uma região dita 'deprimida' perto da fronteira com a Escócia. Vale a pena vê-lo, sem investir muito em expectativas de final redentor, que não há. Passa no canal Sundance de quando em quando.

Uma das cenas mais tocantes - pai e filho brincando com barquitos no lago (Lake District), um regresso atravès das memórias.

Mas o que me levou a fazer o post foi o poema de Florence Margaret Smith, conhecida como Stevie Smith (1902 – 1971). Mais uma vez, um poema que ajudou a fazer um filme, e que me parece rico de sugestões e com uma bela musicalidade melancólica... "Archie and Tina", aqui fica:

Archie and Tina
Where are you now,
Playmates of my childhood,
Brother and sister ?

When we stayed at the same place
With Archie and Tina
At the seaside,
We used

To paddle the samphire beds, fish
Crabs from the sea-pool, poke
The anemones, run,
Trailing the ribbons seaweed across the sand to the sea's edge
To throw it as far as we could. We dug
White bones of dead animals from the sandhills, found
The jaw-bone of a fox with some teeth in it, a stoat's skull,
The hind leg of a hare.

Oh if only; Oh if only !

Archie and Tina
Had a dog called Bam. The silver-sand
Got in his long hair. He had
To be taken home.

Oh, if only... !

One day when the wind blew strong,
Our dog, Boy, got earache. He had
To be taken home in a jersey.

Oh what pleasure, what pleasure !

There never were so many poppies as there were then,
So much yellow corn, so many fine days,
Such sharp bright air, such seas.

Was it necessary that
Archie and Tina, Bam and Boy,
Should have been there too ?
Yes, then it was. But to say now:

Where are you today,
Archie and Tina,
Playmates of my childhood,
Brother and sister ? Is no more than to say:

I remember
Such pleasure, so much pleasure.




Nostalgia da infância reconstruída em adulto. Gostei:

Nunca mais houve tantas papoilas como então,
Milho tão amarelo, tantos dias bonitos,
Aquele ar fino e leve, aqueles mares.


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(*) = "Radi ate her"



sexta-feira, 14 de julho de 2017

Paterson: a poesia do quotidiano, a gentileza e a meiguice, a irremediável solidão.


Para já é o melhor filme que vi este ano; Paterson, de Jim Jarmusch.

O motorista-poeta de Paterson.

É preciso ter coragem e personalidade para se fazer um filme assim, hoje: delicado e gentil, focado na rotina diária, louvando a meiguice em vez da brusquidão, a poesia em vez da brutalidade, a solidão em vez do ruído social, a voz baixa e suave em vez da gritaria. Paterson é um hino ao melhor que a vida pode dar a quem nasceu modestamente e tem dois dedos de sabedoria e a cultura escolar do secundário: o bem estar que se satisfaz com pouco, sonhando sempre com o muito mais, conseguindo passo a passo transformar uma envolvente feia e agressiva num nicho de humanidade quase feliz. Quase, porque uma nota permanente, qual leit motiv que soa em fundo ao longo do filme, é a profunda solidão de cada um, na sua incomunicável intimidade.

O espaço feio de ruínas industriais, a solidão, um emprego mediocre, não conseguem tornar Paterson infeliz ou frustrado.

Os heróis do filme são gente da classe "média baixa", que se esfalfa a melhorar as coisas à sua volta com arte, poesia e humor em vez de raiva e alarme e ódio, aproveitam o que aprenderam para se valorizarem, lêem e vão ao cinema, pintam e escrevem, cozinham gulodices, observam e amam. Golshifteh Farahani, uma actriz francesa de família iraniana, é uma revelação na sua frescura interpretativa toda graça e sedução; Adam Driver ('driver' é um dos muitos jogos de palavras do filme), no papel de motorista de autocarro que escreve poemas, surpreende por uma sobriedade espartana que valoriza a vida interior e os afectos contidos. Um casal improvável que resulta em carinhosa amizade.

Poesia, design, culinária, música também, em harmonia feliz. Dois actores em estado de graça.

Claro que Paterson é muito mais que isso - o próprio filme é uma espécie de poema à normalidade, ritmado pelos dias da semana, inspirado pelo acaso de uma imagem ou algo trivial que acontece. Desenrola-se, o filme e o poema, na banalidade diária, pontuada de pequenos episódios nunca muito trágicos ou chocantes, antes moderadamente cómicos, no máximo incómodos, que são como uma "rima" a colocar música no dia-a-dia. Estive quase sempre com um sorriso durante o filme. Se a poesia nasce daqui - e não das terríveis ameaças letais e dos desesperos lancinantes - então todos podemos ser poetas, tomar nota no nosso livrinho do que nos vem à mente, os primeiros versos ou as imagens seminais, que vamos lentamente trabalhando, enriquecendo, no dia a dia das coisas rotineiras, monótonas e tranquilamente belas.

Uma visão diferente, oposta à que reina no cinema (e não só) que é a espectacularidade dramática e violenta, a  narrativa do excesso na acção, no palavreado, na imagem e nos efeitos especiais.

Um jorro de água fresca, portanto. Ou uma "doce utopia", como escrevia JLR no Expresso.

The Line

There’s an old song
my grandfather used to sing
that has the question,
“Or would you rather be a fish?”
In the same song
is the same question
but with a mule and a pig,
but the one I hear sometimes
in my head is the fish one.
Just that one line.
Would you rather be a fish?
As if the rest of the song
didn’t have to be there.

                                            Ron Padgett,
                                            autor de três dos poemas do filme.

Este vídeo faz a montagem desses três poemas com imagens do filme:


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Curiosamente, o que menos me agradou no filme foi o detestável e anti-poético cão, que por mim levava um pontapé para fora do filme não fosse determinante no enredo; pois foi a única coisa que o festival de Cannes achou por bem premiar. Assim andam os festivais.


segunda-feira, 10 de julho de 2017

Vales Secos: há um lugar na Terra...


Ah, fugir.

Há um lugar na Terra que é tão diferente de qualquer outro que até serve para testar equipamento e treinar equipas para Marte. A região dos Vales Secos (Dry Valleys) da Antártida é um dos desertos mais extremos do planeta, mas para além disso revela surpresas únicas.

Um dos 'Vales Secos' da cadeia Transantártica.

Dry Valleys, Sul da Antártida
Coordenadas: 77° 28′ S, 162° 31′ E


Os Vales Secos são uma formação geológica das Montanhas Transantárticas; estas conduzem os fluxos atmosféricos para o alto, perdendo humidade, e deixando os vales na zona de "sombra de chuva" - onde não chove nem neva. Mas não chove mesmo - há 2000 milhões de anos ! A isso somam-se os fortíssimos ventos catabáticos - até 320 km/h - que sopram desde o interior e evaporam o gelo dos glaciares que descarregam para o vale.

Bull Pass, uma passagem a norte do Vale Wright que mostra bem o contraste entre a Antártica "normal", coberta de gelo, e os Vales Secos.

Daí resulta um clima extremo, um deserto gélido e seco ( o sítio mais seco do planeta) com temperatura média entre - 14 (Verão) e -30 º, recorde - 68º C. São cerca de 4800 km2, a menos de 100 km da estação MacMurdo. Curiosamente, há rios, sim, rios na Antártida !  À falta de verdura e peixe, não são nada paradisíacos, mas nem por isso deixem de ser belos. No mínimo, há a beleza da ausência de humanos, uma benesse. Na maioria dos casos, o que o Homem faz é estragar.

Wright Valley, o mais impressionante dos três vales; ao longe vê-se o lago Vanda.

São três os grandes Vales Secos: Taylor, Wright e Victoria. A grande Raínha está em todo o lado ! O vale Taylor foi o primeiro a ser descoberto, na primeira expedição de Scott entre 1901 e 1904; só em 1950 se descobriram os outros vales e a sua extensão.

Taylor Dry Valley. É bem visível que os glaciares não conseguem alimentar gelo no grande vale, pois é todo evaporado pelos ventos. O chão do vale é cascalho solto com alguns pontos de gelo. A humidade é zero.

Glaciar a escorrer para o Vale Taylor.


O rio Onyx e o lago Vanda.

Um dos vales mais espectaculares é o vale Wright, onde corre o rio Onyx, que desagua no lago Vanda. Os nomes parecem de ficção científica. É um rio salgado, salgadíssimo, mas lindo como só um rio na Antártida.

No Verão austral, o lago descongela parcialmente. Vê-se o rio Onyx, do lado esquerdo, a desaguar no lago.

As rochas são granitos e gneisse.

Lago Vanda é o maior entre vários lagos dos Vales Secos. Tem 5,6 km x 1,5 km, e profundidade máxima de 68.8 m. Está permanentemente coberto por uma fina camada de gelo macio, cerca de  4 m de espessura. A água provém da fusão dos glaciares, até se estabelecer um equilíbrio entre a água que chega e a que se evapora.


É um lago hipersalino, com salinidade mais de dez vezes superior à do Mar Morto. Tem três camadas distintas de água, com temperaturas desde uns quentes 23 °C no fundo, a 7º a meio e 4–6 °C à superfície.

Como a precipitação é quase nula, o gelo que se forma fica exposto, endurece, racha, e oferece imagens fantásticas de um azul duro e transparente, com inclusão de rachas poligonais, bolhas e irradiações.

O lago está sempre coberto de uma camada de gelo transparente, entre 3 e 4 metros, excepto em Dezembro com a fusão parcial.

Alguma areia foi soprada e ficou presa sob a superficie do gelo.

Fendas, linhas de fusão, bolhas



O Rio Onyx é o mais longo da Antártida - 32 km ; de facto é uma corrente sasonal debitada pela fusão glaciar.



Rio Onyx, Terra de Victória, Antártida
Coordenadas: 77° 26′ S, 162° 45′ E


Nasce no Verão de gelo derretido do Wright Lower Glacier e flui para o interior ao longo do vale até desaguar no lago. Corre portanto no sentido contrário do mar - as suas águas nunca atingem o oceano. É um "rio" temporário e interior.


Tem caudal e duração variáveis - há anos em que nem chega a correr, noutros causa grandes inundações. É um caso raro, como corrente de fusão glaciar. Quanto a vida, nada excepto cianobactérias.


Houve uma Estação Vanda, neozelandesa, até 1995, quando foi encerrada dando lugar a um pequeno abrigo que só tem ocupação temporária de uma equipa científica (meteorologia, hidrologia, sismologia...)

A cabana neozelandesa nas margens do lago, em baixo ao centro.


Levar um banquinho, sentar num dia de sol sem vento a olhar as montanhas, os glaciares e as fissuras do gelo azul sobre o lago, respirar o ar cortante como lâmina a menos vinte e tal graus, deixar o gelo formar-se à volta da boca, despir a protecção térmica, sem medo, não há ursos, não há nada, relaxar, fechar os olhos e adormecer aos poucos, primeiro as mãos e os pés congelados, depois o frio a entrar pelo tronco, a cabeça a adormecer, adeus, suave eutanásia.

Não se deve morrer mal aqui. Com o frio letal, é quase instantâneo, não há dor sequer. Uma anestesia dada pela mãe Natureza.


" To die, to sleep - to sleep, perchance to dream, aye - "