segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Uma tarde de praia na Escócia em Kinghorn, Fife



Kinghorn é um  minúsculo porto numa baíazita da costa a Norte do estuário do Forth, integrado no 'Fife Coastal Path'. Tem na maré vaza um areal simpático que deixa à vista rochas cobertas de vida marinha. O casario que já foi de pescadores forma uma frente pitoresca, sobretudo visto ao longe.



Inesperadaente, tem um "tasco", que é não é o melhor que lhe posso chamar, onde se fritam ovos, fish and chips, e se vendem gelados e outras coisas de praia. Porque disse eu que não lhe devo chamar 'tasco' ? Porque, inesperadamente, não vende cerveja nem álcool nenhum ! Fantástico! Um bar de praia sem cerveja, mas isto é o quê, o paraíso?



Areias, pocinhas, algas e grandes lapas da Escócia. Trouxe umas de recordação.

Deve ser por falta de cerveja que nem a praia nem a esplanada eram frequentadas por nenhuns hooligans, nem meninos bem, mas apenas mães com os filhos, avós com netas, casais de idosos ! Maravilha. Até os cães, livres de saltar dentro e fora de água, partilhavam com crianças, senhoras e velhos o calorzinho suave e animavam o sossego do local.


Como se estava bem naquele sitio pacato, recatado, que parecia parado no tempo, numa tarde quentinha de Agosto.


Para sul, falésia, ilha com farol, mar aberto.

Nos Museus de Arte Moderna de Edimburgo


São dois os edifícios neo-clássicos da National Gallery of Modern Art de Edimburgo. Os jardins, embora bonitos, ficam a perder com os nossos; mas as colecções, exposições temporárias, lojas e cafetarias  convidam a longas e repetidas visitas.

Depois de Dean Village, procurámos o caminho para os Museus, enganámo-nos, andámos às voltas, mas lá chegamos: frente a frente, dos dois lados da estrada de Belford Road, estão o NGMA One e o NGMA Two, este mais dedicado a exposições temporárias e de autores britânicos.

Everything WAS alright.

Ao longo do relvado da ONE, há Miró, Henry Moore (quem não tem ?) e outros que procuram enquadrar arte e paisagem.

Henry Moore, Reclining Figure, 1978

Eram outras coisas que eu procurava. Primeiro, a Onda. É uma escultura famosa de Dame Barbara Hepworth, uma daquelas obras que marcam à primeira vista e quanto mais se roda em torno dela mais se gosta. Nada de bonecos e palhaçadas provocatórias: apenas uma genial peça de escultura.




Também extraordinário é este corredor em bronze:

Germaine Richier, Le Coureur, 1955

Um Mondrian, todo equilíbrio e oposição de formas:


Vou passar os Malèvitch, Braque, Popova, Naum Gabo, um Matisse (menos bom), Léger, Bonnard, Warhol, Dali... estaquei em Lichtenstein:

Roy Linchtenstein, In the car. Psicologia, conflito e velocidade numa estética de banda desenhada.

Mas tudo o que eu queria era ficar em pasmo diante deste Picasso:

Mère et enfant, 1902.

Um quadro do período azul onde sofrimento e vergonha são retratados com toda a cumplicidade do pintor, de forma austera e discreta - por um rosto que se esconde.


Dei várias voltas às galerias mas regressava sempre aqui. Este quadro é quase um padrão de arte perfeita. Transmite o essencial da humanidade e da vida, pelo sublime da expressão plástica mais depurada. Quase poderia ter sido feito em qualquer parte do mundo, em qualquer altura da História - mas por um homem de génio, sempre. Quase podia ser uma pintura mural das cavernas. Universal, intemporal.

Gate, William Turnbull

Mais esculturas nos jardins.

Master of the Universe, Eduardo Paolozzi

https://www.nationalgalleries.org/visit/scottish-national-gallery-modern-art

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Dean Village, nas margens da Water of Leith


Water of Leith é o rio que atravessa Edimburgo até ao porto de Leith, desaguando no famoso largo estuário Firth of Forth, aquele onde, segundo a épica composição dos Genesis,

The sands of time were eroded by
the river of constant change


Ao entrar na zona urbana de Edimburgo, o curso de água forma uma garganta estreita onde desde há séculos (c. 1145) se instalaram vários moínhos de água ou azenhas, alguns de grande dimensão. Nasceu uma vila dedicada à panificação e outras artes chamada Dean Village. Nunca a tinha visitado, desta vez não falhei.

O rio Leith (Leith não é o Lete dos gregos mas é pena) corre pelo vale glaciar onde Edimburgo viria a nascer. O dia nasceu soalheiro e chegar lá foi um encantamento súbito.


O acesso a partir da cidade faz-se por uma longa descida em curva até à beira rio.
Belo trabalho de ferreiro !

11 moínhos produziam farinha para alimentar Edimburgo no auge do crescimento urbano no séc XIX. Alguns eram grandes prédios que foram agora convertidos para apartamentos. Mas a proximidade das águas do Leith e da antiga ponte de acesso à cidade também acabou por atraír indústria têxtil, tanoaria e ferrarias.

Caminho de acesso à antiga ponte.



A antiga ponte medieval era o único acesso à cidade, o que contribuiu para o crescimento da aldeia de Dean.


À esquerda, o Well Court, prédio Vitoriano para trabalhadores.

A aldeia começou a decair em 1832, com a construção de uma nova ponte alta sobre a garganta do Leith, dando acesso directo a Edimburgo e deixando Dean em baixo, num desvio; mesmo assim a vila continuou como centro de tanoagem até ao fim do século. Em 1880 um enorme complexo residencial de cinco andares viria a ser construído em arenito vermelho, o que veio a dar novo alento à comunidade.


O prédio do Well Court tem um grande pátio central comum, capela e torre de relógio que tocava o recolher às 10 h da noite. Uma bela obra de arquitectura que fez parte da candidatura a Património da UNESCO.


O pátio comunal interior.

Um aviso de 1880 anunciava: "providing homes of two and three rooms with conveniences". Para uma classe respeitável de trabalhadores (padeiros, ferreiros, tanoeiros, guardas de linha de combóio), sob ordens estritas - o portão fechava às 22h, com o tocar das badaladas na torre.


Posteriormente, já no séc. XX, Dean seria abandonada e deixada a uma população desempregada miserável. História parecida com muitas outras, a que a prosperidade na mudança de século pôs fim.

Há um percurso pedonal ("Leith Walkway") de 20 km junto ao rio nesta zona verdejante; é paisagem protegida.


O percurso à cota do rio está rodeado de bosque por vezes bastante denso; a acreditar no folheto, há aqui trutas e outro peixe de rio, lontras, e muitas espécies vegetais estimáveis.

Na época Vitoriana, Dean passou a estar "na moda" para gente abastada, os apartamentos são caros, mas manteve sempre um apego comunitário que a distingue do resto da cidade. São mesmo muito bairristas.

Perto, nesta zona suburbana baixa e verdejante, ficam os dois prédios  da Galeria Nacional Escocesa de Arte Moderna. Com este dia luminoso, entrar em Museus não seria o que mais apetecia; mas era oportunidade única. Lá vamos, já a seguir.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

O tesouro Viking de Galloway, Escócia



Habitualmente designado The Galloway Hoard, foi descoberto em 2014, soterrado, um espólio Viking riquíssimo, prováveis pertences de gente importante. Já é famoso o alfinete do pássaro dourado:

Peça única, o pássaro de ouro tem um bico curvo como o de um flamingo, que só havia no Mediterrâneo.

Foi um entusiasta de achados, usando um detector de metais ao passear em terras de pasto pertencentes à Church of Scotland, quem alertou para o que lhe pareciam várias peças de ouro. E eram, do século IX ou X, e de um valor actualmente milionário.


Peças de ouro e prata, incluindo contas, braceletes e broches, enchiam um vaso Carolíngio com tampa que era um verdadeiro pote de ouro. A exposição actualmente a decorrer no National Museum of Scotland ( a não confundir com a National Gallery) ocupa um pequeno mas precioso espaço do enorme edifício.
Um dos broches encontrado dentro do vaso. A forma de anel aberto nunca tinha sido encontrada na Escócia.


Os broches em quadrifólio, têm duas faces simbolizando a vista e o ouvido.




Contas de colar, amuletos e broches, alguns embrulhados em tecido, enchiam até cima o vaso selado.

Entretanto decorre uma campanha para conseguir dois milhões de forma a garantir que o espólio fica no dominio público e não para a Igreja.
http://www.nms.ac.uk/national-museum-of-scotland/whats-on/the-galloway-hoard/

Galloway fica no extremo sudoeste da Escócia.


domingo, 20 de agosto de 2017

Monteverdi em Edimburgo:
' Nenhuma empresa o Homem enfrenta em vão
Nem contra ele mais se pode armar a Natureza.'


O coral mais belo do Orfeo de Monteverdi, que tive a sorte de assistir no Usher Hall, com o Monteverdi Choir dirigido por John Eliot Gardiner.



Coro di Spiriti Infernali

Nulla impresa per uom si tenta invano
Nè contr’ a lui più sa natura armarse.
Ei de l’instabil piano
Arò gli ondosi campi, e ’l seme sparse
Di sue fatiche, ond’ aurea messe accolse.
Quinci, perchè memoria
Vivesse di sua gloria,
La fama a dir di lui sua lingua sciolse,
Ch’ei pose freno al mar con fragil legno
Che sprezzò d’Austro e d’Aquilon lo sdegno.

               Nenhuma empresa o Homem enfrenta em vão
               Nem contra ele mais se pode armar a Natureza.
               Nas instáveis planuras
               Lavrou os campos ondulantes, e lançou sementes
               Da sua obra, de onde colheu dourada safra.
               Então, que a memória
               Da sua glória possa perdurar,
               A fama dos seus feitos ser por toda a parte dita
               Que ele dominou os mares com frágil nave
               Que desdenhou de Sul e Norte o furor dos ventos.



Esta produção que passou em Edimburgo é a mesma que esteve no La Fenice de Veneza e segue agora para Salzburgo - um triunfo completo, a celebrar os 450 anos de Monteverdi.

O trabalho de palco, sem cenário e com a orquestra a ocupar as alas laterais, conseguiu aproveitar a escadaria do côro, o centro e o corredor da frente e recantos do auditório para teatralizar a acção de forma eficaz, multiplicando os espaços. A iluminação também ajudou, com as sequências no Hades a decorrer na quase escuridão. Imensa sobriedade e contenção nos trajos, na movimentação, no canto e na direcção de orquestra, uma coerência total como seria de esperar em Gardiner, que mereceu um agradecido longo aplauso - ele já é "da casa".



Essa contenção não pejudicou, mas ampliou, a emotividade do canto, investindo todo o dramatismo na expressão corporal. Se as vozes foram perfeitas, saliento uma deslumbrante Esperanza de Kangmin Justin Kim, o formidável Caronte de Gianluca Burato, e o Orfeo de Krystian Adam, cujo 'Possenti Sprito' foi intenso e comovente como deve ser.


A orquestra esteve perfeita na relação - por vezes corporal ! - com os cantores, que mais de uma vez se aproximavam dos músicos para os destacar.

Eu diria que de tudo foi o coro Monteverdi que mais me conquistou; as múltiplas vozes, perfeitas de execução, sabiam transmitir alegria nas celebrações e melancolia  nos desenlaces trágicos.

Mas é a John Eliot Gardiner, um estudioso permanente como Harnoncourt e que como ele dedicou a vida à perfeição na execução de obras anteriores ao séc XX, que cabem todos os louros por esta extraordinária realização. Está ele de parabéns com Monteverdi, lá no Olimpo.



Assim comecei Edimburgo - 2017.