quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Janela para 2016





Anima-me esta vista com estrela, parece anunciar qualquer coisa alegre e musical. Que pode haver de melhor ?

Desejo isso mesmo - um 2016 alegre e musical - a todos os visitantes.



segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Prenda de fim-de-ano:
o Xadrez Viking de Lewis (The Lewis Chessmen)



É uma atracção do British Museum mas também de museus escoceses um conjunto de peças de xadrez do século XII (1150-1200), esculpidas em marfim de dente de morsa, com 3,5 a 10 cm de altura.


Foram descobertas em 1831 num banco de areia, numa baía da costa oeste da ilha de Lewis, nas ilhas Hébridas da Escócia; constituem um raro conjunto medieval de xadrez, 78 peças (talvez 8 jogos), a maioria até há pouco no British Museum.

Baía de Uig, na costa oeste, onde estavam guardados os Chessmen.

Recentemente um número significativo de peças foi atribuído ao Museu Nacional da Escócia: 11 estão em Edimburgo, outras 6 irão ajudar a inaugurar o novo museu instalado no castelo de Lewes em Stornoway, a linda capital das Hébridas.


Stornoway, Isle of Lewis, 58º N

A origem mais provável das peças é Trondheim, no norte da Noruega, a 63º N - quase no círculo polar ! Até ao século XIII as Hébridas pertenciam ao reino Viking (entretanto cristianizado) da Noruega. Na fabulosa catedral de Nidaros, em Trondheim, começada no séc XI, encontram-se algumas peças semelhantes, talhadas em dente de morsa. Nessa altura residiam famílias de ricos mercadores na cidade que podem ter contratado artistas para esculpir peças em marfim de alta qualidade. O xadrez tinha sido introduzido na Europa por volta de 900-1000 DC, trazido da Índia (Pérsia ?) pelos árabes.

As peças do Xadrez Viking lembram os guerreiros berserkr * das sagas nórdicas.


O estado das peças, como novas, mostra que se perderam (ou foram escondidas ?) quando eram transportadas para venda, talvez uma encomenda, por algum mercador norueguês. As peças estavam numa espécie de "caixa" feita de pedras, sobre uma duna da praia, como se guardadas em segurança enquanto aguardavam transporte.

São trabalhos elaborados em marfim de morsa, na forma de reis (8) e raínhas (8) sentados, bispos, cavaleiros montados, guardas (torres) e peões na forma de obelisco.

As costas da raínha.

O 'bispo' foi uma versão cristã do original 'elefante' do xadrez hindu-persa. Os árabes usavam "camelo" (alfil), mas como todas as sua peças eram não figurativas, o alfil era formado apenas por dois bicos como as bossas do animal. Na Europa, o alfil deu foul ('fou', em França), e por lembrar uma mitra deu bishop nos países anglo-saxónicos.



Mais:
http://www.messagetoeagle.com/mystery-beautiful-viking-uig-chessmen-found-isle-lewis-scotland/

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* origem da expressão to go berserk , ficar louco furioso


quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Os melhores do ano, aqui neste meu Livro.


Tudo quanto é jornal e revista elege os seus melhores do ano, mais estrelas menos estrelas, listas para compra e oferta "segura", como se tal houvesse.

Desalinhado com o gosto padrão dos "críticos", aqui fica o meu gosto - muito parcial e enviesado, claro - em escolhas aos pares, muitas delas já aqui referidas ao longo do ano.

Uma espécie de prenda de Natal.
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Filmes do Ano :

'Leviatã'
de Andrey Zvyagintsev

O autor de O Regresso, The Banishment e Elena é talvez o maior cineasta do nosso tempo - dizer "génio" parece-me adequado. Mais aqui.

O Regresso a Casa
Zhang Yimou
Serena melancolia também na China, filmada por um esteta da elegância e do colorido. Mais aqui.

- menção especial para o melhor filme de animação, O Conto da Princesa Kaguya, de Isao Takahata, emocionante e épico.

Discos (CD) do ano :

Haydn, sinfonias nº 31, 70, 101
Robert Ticciati com a Scottish Chamber Orchestra


Leif Ove Andsnes
Beethoven, concertos nº 2 e 4 para piano

É o 3º volume da "Beethoven Journey" de Leif Ove Andsnes - e mantém a mestria de piano e de orquestra que fazem destes 3 CDs uma primeira escolha. À Mahler Chamber Orchestra cabe parte do mérito.

- uma menção especial para a 9ª de Bruckner de Claudio Abbado com a Lucerne Festival Orchestra, formidável e arrebatadora.

Livros do Ano :

A obra que mais gosto me deu ler este ano foi "A Noite dos Tempos" de René Barjazel, publicado em 1968. Quanto a livros publicados em 2015, deixaram marca estes :

Windows of the World
50 autores, The Paris Review
com desenhos de Matteo Pericoli
      
Belíssimos textos, ilustrados com cuidado e inspiração, ou vice-versa.

O Meteorologista
Olivier Rolin
      
Fundamental para perceber "aquilo tudo" que lá se passou. Triunfo dos Porcos, 1984, Gulag, um imensurável crime que é costume menorizar. Para mais, escrito com elegância e (relativa) contenção.

Aconselho o original em francês, porque esta tradução é em mau acordês.

BD
Não passei a vista por nada que se compare a

      
La Lune est Blanche
François e Emanuel Lepage
Aqui escrevi sobre ele.


Museu do Ano

Dos que visitei, fiquei extasiado neste:


Villa Farnesina, Roma



É de ir a correr.


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Welcome Yule, solstício no Parque


O germânico e pagão Yule (Jul- na Escandinávia), anterior ao nosso Natal, decorre entre 20 e 23 de Dezembro, em celebração do Sol que renasce - culto de Isis, Alcione, Mitras, Saturno, Odin, com fogueiras e danças ao pôr do Sol.

Este ano o solstício acontece na terça, 22.
E no Parque da Cidade entardece assim:








Wolcum Yole !





sábado, 19 de dezembro de 2015

Kurt Masur (1927-2015), um grande que partiu aos 88


O maestro Kurt Masur era um especialista de Mendelssohn e Dvorak. Dirigiu a Filarmónica de Nova Iorque durante 11 anos, sempre com grande elegância - a marca que deixou: equilíbrio e precisão clássica, e uma imagem única. Ficou na memória o seu Requiem de Brahms em homenagem às vítimas do 11 de Setembro. Na Alemanha esteve à frente de outra grande orquestra - a Gewandhaus Leipzig.

Anne Sophie Mutter tocou e gravou muitas vezes com Masur, uma dupla formidável; aqui fica um dos pontos altos da carreira - o concerto para violino de Mendelssohn:


Outro momento único - A Novo Mundo de Dvorak, com a NYPO:




Este ano foi funesto para os grandes maestros da era clássica.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Um poema de Nancy Campbell


Já aqui dei notícias de Nancy Campbell, uma escritora de prosa e poesia de Oxford que tem feito longas estadias no Ártico, sobretudo na Gronelândia, como artista residente em museus. Publicou vários escritos em editoras alternativas, e já há algum tempo sou seu seguidor no blog.

Deixo aqui um pequeno poema moral incluído no livrinho Disko Bay *. Quando o compra-compra natalício começa a cansar, sabe bem imaginar que, se quisermos, podemos desistir do capitalismo, construir o nosso próprio kayak e partir, mundo fora...


Giving up on capitalism

The first kayak he made was a one-krone kayak,
one krone was all he got for it.
He threw the coin down on his mother's bench:
fifty øre for coffee and sugar,
fifty øre for needles.

The next kayak he made was a two-kroner kayak,
he was given two kroner for it.
He ran to lay the coins on his mother's palm:
one krone for whisky,
one krone for blue cotton.

Then he made a kayak all for himself.
He had only enough skins
to cover a slim hull
but he pegged them down deftly
and paddled away.





* Enitharmon Press, 2015


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Arvo Pärt, Cantus In Memoriam
- não na CdM, afinal :(


Obra de 1977, para orquestra de cordas e um sino, o Cantus in Memoriam dedicado a Benjamin Britten é talvez uma das composições de Pärt mais frequentes nos programas de concerto. Contudo, depois de prevista para o próximo 15 de Abril, já foi cancelada na programação da Casa da Música, hélas.

Basicamente, a orquestra toca uma escala descendente das 8 notas de La menor, a que se contrapõe desfasada outra secção das cordas que toca as três notas do acorde de La menor, em progressiva complexidade. No conjunto, as duas ou mais linhas criam uma sensação de vagas sucessivas, ou de torvelinho, de crescente intensidade, até à última descida para o silêncio, quando apenas prevalece uma ténue badalada do sino em La, como uma subtil nota de esperança.
[adaptado de Jeremy Grishaw,

Strings of Hungarian State Opera, dir.Tamas Benedek

Benjamin Britten faleceu a 4 de Dezembro de 1976, antes que Arvo Pärt tivesse oportunidade para o conhecer;  Pärt admirava e até se identificava com a música de Britten, pelo que lamentou esse infeliz desencontro.

Uma interpretação ao vivo revela melhor o trabalho de orquestra. Esta que se segue talvez peque por um tempo demasiado rápido para meu gosto, mas é dirigida com precisão e ... é uma oportunidade para voltar a ouvir !

Radio Filharmonisch Orkest, dir. James Gaffigan.

[com uma piscadela ao Compasso Bucólico]


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Um post de Natal: as estrelas vermelho-alaranjadas que decoram janelas na Gronelândia.


O Natal é celebrado com particular empenho e alegria na Gronelândia: por esta altura a noite polar de quase 24 horas já há muito se instalou, e uma festa de luzes, com cânticos e fartas gulodices é uma diversão muito bem-vinda. Iluminam-se árvores (importadas, claro) e nas janelas brilha uma estrela, geralmente alaranjada ou vermelha, uma luz que dá algum ânimo na escuridão.

As luzes da árvore em Nuuk, a capital, foram acesas na presença de uma pequena multidão. É um acontecimento especial na noite ártica.

Em Sisimiut, já acima do círculo polar (66º N), toda a cidade - uns 6 000 - veio assistir.


Quem tem a janela mais bonita ? ( mesmo que o modelo 'único' à venda no país seja o mais frequente )






Kamgan Ukudigaa                      Boas Festas
Quyanaghhalek Kuusmemi        Feliz Natal




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

80º N, a última latitude em terra habitável.


Viagem imaginária ! Agora que se aproxima o solstício de inverno, o passeio é sobre o paralelo 80, de nascente para poente, do Canadá Ártico para o Ártico siberiano.

Há poucas áreas de terra firme a 80º norte:

- as ilhas Axel Heiberg e Ellesmere,no Canadá.
- o extremo norte da Gronelândia.
- as norueguesas ilhas Svalbard.
- os arquipélagos Franz Josef e Severnaya Zemlya (Terra do Norte) no oceano     ártico ao largo da Sibéria.

Há plantas e flores a 80º N, durante os três meses de luz solar, como estas papoilas em Svalbard.

Partida: em Axel Heiberg, uma das ilhas mais setentrionais do Arquipélago Ártico canadiano, encontra-se um terreno arenoso, desértico, que foi escolhido como uma boa aproximação do que se espera em Marte. Pareceu adequado a testes em condições similares, e a NASA instalou lá uma base - a estação MARS ("McGill Arctic Research Station"), perto da latitude 80º N.

Uma das regiões mais secas da Terra - é raro chover, e sempre pouco.

A nascente 'Lost Hammer Spring' é um caso único - contém bactérias que se alimentam de metano e conseguem sobreviver a -60º, em condições extremas de hiper-salinidade, sem oxigénio. Parece Marte ?

Estação McGill, 79º 26' N.

Mais:
http://ultima0thule.blogspot.com/2014/07/axel-heiberg-arctic-as-arctic-can-be.html

Sigamos para a vizinha Ellesmere, a maior do arquipélago e a que mais se aproxima do Pólo Norte. É tão grande como a Grã-Bretanha !

Cadeias montanhosas de beleza precipitosa e formas estranhas.

O fiorde Tanquary, um dos maiores e mais bonitos em Ellesmere.

A 80º N situa-se a estação Eureka, base militar e de estudos meteorológicos, permanente desde 1947.

Eureka ao longe na planície gelada.

Em Eureka já houve várias gerações de construção. O mais recente centro de operações vem de 2005.

Continuando para Leste, atravessamos o Estreito de Nares e aportamos na costa poente da Gronelândia, ao encontro do célebre glaciar Humboldt (ou Sermersuaq, em inuit), o mais largo glaciar no Hemisfério Norte :


A frente marítima estende-se por 110 km.

Reflexo do glaciar sobre a Kane Basin, um braço de mar que separa Ellesmere da Gronelãndia.

Station Nord81º N

A estação Villum da Universidade de Aarhus integra a Station Nord.

Apenas 1 grau acima dos 80º, a base dinamarquesa Station Nord é uma das mais frias e remotas estações polares do planeta, na longínqua e desabitada costa nordeste da Gronelândia:


- 40º C é 'normal' por aqui.



Atravessamos o Atlântico Norte para o europeu (norueguês) Arquipélago de Svalbard. O paralelo 80 mal toca o extremo norte das ilhas.


Magdalenefjorden é um curto mas largo fiorde a cerca de 79º 30' N, na costa oeste de Spitsbergen, a ilha maior. Os cruzeiros do Ártico visitam com frequência este deslumbrante fiorde e os seus glaciares.


A povoação mais próxima é Ny Ålesund, para sul, a 79º N, uma estação científica permanente que ficou célebre pela aventura do zeppelin Norge:
http://ultima0thule.blogspot.com/2009/05/ny-alesund-and-adventure-of-norge-part.html

Mas em Svalbard há também um terreno avermelhado onde a NASA faz testes para a expedição a Marte: o Bockfjorden e o circundante deserto montanhosos de sedimentos vermelhos.


O Bockfjorden fica a 80ºN; é um lugar intrigante onde o quente e o frio convivem: não há capa de gelo, o clima é frio mas seco, e nascentes de água quente ainda borbulham no terreno vulcânico. Pouco gelo, águas quentes e águas frias, terreno ferido de erupções, este local lembra o que Marte teria sido no passado.

O vulcão Sverrefjell criou este lugar único.

Uma de várias fontes termais criadas pelo Sverrefjell a 80º N.

A expedição AMASE testando um robot em condições 'marcianas'.


Franz Josef Land

Estas ilhas mais que remotas estão quase todas acima do paralelo 80, muito ao largo da costa ártica siberiana. Uma delas, a Ilha de Bell, está exactamente nos 80ºN.
A ilha de Bell sempre fascinou exploradores e cientistas.

Nagurskoye, uma base na ilha Alexandra:

Esta base russa situada a 81º N esteve semi-abandonada até recentemente ter sido renovada com algum esmero.

Mais:
http://ultima0thule.blogspot.pt/2012/06/franz-joseph-land-strange-islands-lost.html


Cabo Tegettoff, Ilha de Hall, 80º N.

Há poucos lugares na Terra mais adequados a um filme de ficção fantástica !


Espectacular.


A Terra do Norte, Severnaya Zemlya, consegue ser ainda mais isolada, um nenhures a sul e a norte de coisa nenhuma, perfeito para misantropos se refugiarem da civilização no mais longe que o alto ártico russo permite.

Sim, há uma estação meteorológica em Golomyanniy, 79º 33' N, na Ilha Sredniy, mas é um desafio tremendo dar com ela, uma 'dacha' perdida num canto de uma ilhota gelada, uma das mais minúsculas e anónimas.


A estação de Golomyanniy funciona desde 1954. Agora os russos planeiam construir ali uma base militar, hélas.


A meteorologista-chefe. Lembra-me o livrinho "Le Météorologiste" de Olivier Rolin: longos dias de solidão, só entretida com os mapas e relatórios das medições.

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Pode surpreender, mas há vida animal a esta latitude. E bichos bem grandes !

Uma fofinha raposa do ártico em Novaya Zemlya.

O antipático e arisco boi almiscarado, Ilha de Ellesmere.

Bonito mas temível, um urso polar em Franz Josef Land.


A acabar, como comecei: uma florinha contente nos 80º N !



O Ártico vive esta contradição: cada vez mais acessível e cada vez mais ameaçado, pelas mesmas causas - o avanço tecnológico e o aquecimento das águas. Muito do seu apelo à aventura fantástica e solitária estará em risco pelo crescente povoamento, pela exploração de recursos, pela travessia de frotas comerciais. Mas os 80º N devem ter ainda muitos anos de deserto gelado e inóspito pela frente, que lhe garantem algum recato, felizmente.